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Como decisão de Flávio Dino pode impactar sanções dos EUA contra Alexandre de Moraes

A mais recente decisão do ministro Flávio Dino, integrante do Supremo Tribunal Federal (STF), trouxe repercussões significativas para o debate sobre a validade de normas estrangeiras em território nacional. O magistrado determinou que nenhuma lei ou decisão judicial de outros países pode ter efeito no Brasil sem passar pelos mecanismos de cooperação internacional ou ser homologada pela Justiça brasileira.

Essa medida atinge diretamente a Lei Magnitsky, dos Estados Unidos, utilizada pelo governo do presidente Donald Trump para impor sanções contra o ministro Alexandre de Moraes. O norte-americano alega que Moraes estaria perseguindo politicamente o ex-presidente Jair Bolsonaro, aliado próximo de sua gestão, e por isso teria enquadrado o magistrado brasileiro como alvo da legislação, que foi criada originalmente para punir graves violações de direitos humanos e atos de corrupção.

Segundo Flávio Dino, a aplicação direta dessa lei em território brasileiro não tem respaldo jurídico. Na prática, empresas que adotarem medidas contra Moraes seguindo a legislação americana poderão ser responsabilizadas no Brasil.

O que prevê a Lei Magnitsky e possíveis impactos sobre Moraes

A Lei Magnitsky é um instrumento do governo norte-americano que prevê três sanções principais: proibição de entrada nos Estados Unidos, congelamento de bens em território americano e bloqueio de transações financeiras com cidadãos ou empresas daquele país.

Se aplicada a Moraes, a medida poderia, em tese, impedir o ministro de realizar transações simples como utilizar cartões de crédito emitidos por bandeiras internacionais, além de bloquear investimentos ou contas bancárias em instituições com ligação ao mercado norte-americano.

Apesar disso, com a decisão do STF, Dino deixou claro que esses efeitos não podem ser aplicados automaticamente no Brasil. Empresas ou bancos que se alinhem diretamente à legislação estrangeira sem considerar a lei brasileira poderão enfrentar processos e sanções judiciais.

A professora de direito internacional da Universidade Federal do Paraná, Larissa Ramina, explicou que a decisão reafirma um princípio básico da soberania: “No Brasil, aplica-se a legislação nacional. Leis estrangeiras só têm validade quando validadas por instrumentos de cooperação internacional.”

O cenário cria uma espécie de dilema para empresas brasileiras: se não seguirem a legislação dos EUA, podem sofrer retaliações naquele país; mas se aplicarem sanções em território nacional, podem ser punidas pelo Judiciário brasileiro.

Repercussão internacional e resposta do governo dos EUA

Poucas horas após a divulgação da decisão de Dino, o Departamento de Estado dos EUA reagiu por meio da rede social X, antigo Twitter. Em nota, afirmou que “nenhum tribunal estrangeiro pode anular sanções impostas pelos Estados Unidos ou proteger pessoas das consequências severas de descumpri-las”.

A manifestação reforça a postura norte-americana de manter o alcance da Lei Magnitsky mesmo sobre indivíduos que atuam fora de seu território, o que aprofunda o impasse para instituições financeiras e empresas multinacionais que operam simultaneamente nos dois países.

Para especialistas, esse posicionamento dos EUA pode abrir caminho para batalhas judiciais e embates diplomáticos caso empresas brasileiras optem por desobedecer à legislação americana para se adequar às normas nacionais.

Alexandre de Moraes Ministro do Supremo Tribunal Federal do Brasil

Decisão tem origem em ação contra a Vale na Inglaterra

O julgamento que motivou a decisão de Dino não surgiu diretamente do caso de Alexandre de Moraes, mas de uma ação relacionada ao desastre de Mariana (MG), ocorrido em 2015 com o rompimento da barragem da mineradora Samarco, controlada pela Vale e pela BHP.

O Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) acionou o STF para questionar processos movidos na Inglaterra contra as mineradoras, sustentando que municípios brasileiros não poderiam recorrer à Justiça estrangeira sem ferir a soberania nacional.

Em outubro de 2023, o plenário do STF já havia decidido em favor do Ibram, proibindo que prefeituras firmassem contratos com escritórios de advocacia internacionais para atuar nessas ações. Porém, após essa decisão, a Justiça inglesa determinou que o Ibram desistisse do processo no Brasil, alegando que a proibição de custear os escritórios prejudicava o andamento das ações no Reino Unido.

Os municípios afetados, então, recorreram ao STF pedindo que fosse cumprida a ordem da corte inglesa. Foi nesse contexto que Dino reafirmou a posição de que nenhuma decisão estrangeira pode ser aplicada automaticamente no Brasil sem homologação.

Argumentos de soberania e direito internacional

Em sua decisão, Dino destacou que o cenário internacional atual tem revelado tentativas de algumas nações de impor sua força e suas regras sobre outros países sem respeitar os instrumentos multilaterais de cooperação.

O ministro ressaltou que tal prática ameaça pilares fundamentais do direito internacional, ignorando instituições que foram criadas justamente para garantir equilíbrio nas relações entre Estados. Para ele, permitir a aplicação de decisões unilaterais de outros países seria abrir mão da soberania brasileira.

Por isso, Dino determinou que empresas constituídas sob as leis brasileiras, com sede ou atuação no país, estão proibidas de aplicar restrições baseadas em atos unilaterais estrangeiros. Também considerou sem efeito, em território nacional, a decisão da Justiça inglesa que obrigava o Ibram a desistir da ação no STF.

Limites da decisão e possíveis consequências no exterior

Apesar de declarar ineficaz a decisão inglesa no Brasil, Dino reconheceu que ela segue válida no Reino Unido. Isso significa que o Ibram, caso não cumpra a determinação naquele país, poderá enfrentar multas ou outras sanções na Inglaterra.

A professora de direito internacional privado da PUC-Rio, Nadia de Araujo, explicou que o STF apenas impede a aplicação da medida em território nacional, mas não pode anular seus efeitos em outro país. Segundo ela, só se houvesse tentativa de executar a multa no Brasil seria necessário homologar a decisão, o que não aconteceria sem análise da Justiça brasileira.

Portanto, embora a decisão de Dino proteja a aplicação da legislação nacional, as empresas envolvidas continuam expostas a riscos jurídicos em outras jurisdições.

A determinação do ministro Flávio Dino reafirma um princípio já consolidado no direito internacional: cada país aplica suas próprias leis em seu território. No caso específico da Lei Magnitsky, isso significa que empresas e instituições brasileiras não podem adotar sanções contra Moraes ou qualquer cidadão nacional apenas com base na legislação dos Estados Unidos.

Ainda assim, a medida não elimina as consequências que podem ocorrer no exterior, o que mantém aberto o embate jurídico e diplomático entre o Brasil e os EUA. Para especialistas, a decisão representa uma defesa clara da soberania brasileira em um momento de intensificação das disputas internacionais sobre a validade extraterritorial de leis nacionais.

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